DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO – PL 1179/2020

DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO – PL 1179/2020

É inegável que a situação de calamidade que assola o País e o mundo traz implicações para todas as relações jurídicas vigentes, dentre as quais merece destaque o isolamento social e o seu impacto nas relações de consumo, especialmente aquelas travadas via comércio eletrônico.

De acordo com recente publicação da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, datada de 12 de março de 2020, houve um incremento na ordem de 180% nas transações dessa natureza.

Anualmente, o setor de varejo prepara o estoque e a logística para o incremento que advém da semana da Black Friday, em novembro. Assim, o inesperado crescimento das vendas no mês de março pode causar alguns reflexos indesejados, como falta de produtos e maiores dificuldades na entrega ao consumidor.

Como consequência do aumento inusitado das contratações via e-commerce, alguns players já antecipam a possibilidade de atraso na entrega dos produtos, anunciando a hipótese de forma transparente em suas respectivas plataformas digitais.

Nesse contexto, questiona-se: como ficará o direito de arrependimento do consumidor?

O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor é claro ao dispor que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.” Atualmente, o consumidor pode exercer o direito de arrependimento, ainda mais no momento em que o isolamento social pode gerar sentimentos de ociosidade e ansiedade, implicando em compras impulsivas.

Entretanto, paira sobre o exercício do direito de arrependimento um fator de ordem prática: como devolver o produto, se o isolamento social impõe a responsabilidade de ficar em casa? Como ficariam aquelas pessoas que estão inseridas nos grupos de risco? Estaria o consumidor em uma posição deveras desfavorável, decorrente da pandemia de COVID-19? Talvez não.
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 1179/2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).

O art. 8º do projeto em questão dispõe que a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor ficará suspensa até 30 de outubro de 2020 para os casos de produtos ou serviços adquiridos por entrega domiciliar (delivery).

Uma vez convertido em lei, entende-se que o consumidor poderá exercer o direito de arrependimento dentro do prazo legal de 7 dias, a partir de 30 de outubro de 2020.

Na prática, haverá maior prazo de reflexão por parte do consumidor, que poderá ponderar com maior clareza se a aquisição do produto ou do serviço está adequada ao seu perfil e às suas necessidades.

Obviamente, isso não quer dizer que o consumidor poderá utilizar do produto e, a partir do dia 30/10/2020, invocar o direito de arrependimento, sob pena de violar frontalmente o princípio da boa-fé contratual.

A medida em análise, de natureza transitória, trará impactos positivos nas relações de consumo, resguardando o exercício do direito de arrependimento ao suspender a aplicação do prazo de 7 dias contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço, não se tratando de uma supressão temporária do direito do consumidor.

A propósito, a iniciativa vem acompanhada de outras medidas que objetivam resguardar, dentro do campo das relações privadas, as partes mais vulneráveis de algumas relações jurídicas, como o locatário de imóveis urbanos e o arrendatário de imóveis rurais.

 

Victor Fernandes é sócio do escritório NEGROMONTE & PRADO ADVOGADOS ASSOCIADOS, responsável pela área de Direito do Consumidor, formado pela Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, pós-graduando em direito do consumidor pela Escola Paulista da Magistratura – EPM.